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Por Beatriz Herkenhoff
O ser humano nasce com o dom do amor, que o leva ao desejo de preservar sua espécie, de dar continuidade à vida e à sua descendência.
Amar, cuidar, proteger, estimular e gerar vida em abundância
Se observarmos o mundo animal, esse dom também está presente. São impactantes os filmes que abordam o cuidado dos animais em relação às suas crias: a forma como se fazem presentes, protegem-nas dos predadores. Partilham seus ensinamentos para que aprendam a arte de sobreviver em um mundo cruel e devastador.
O útero materno é nossa maior fonte de potência e amor. É o lugar da proteção, do aconchego, da segurança e do cuidado. O útero nutre, dá confiança e liberdade para o crescimento e desenvolvimento do ser. É pleno de luz, de amor, de sabedoria, de feminilidade e de poder.
Mas, esse dom tão lindo gera mitos. Entre eles, a crença do amor incondicional, de que toda mulher nasceu para ser mãe. E durante muito tempo a exclusão do homem dos cuidados com o bebê.
O mundo moderno abre horizontes e perspectivas, dando liberdade para que o desejo de ser mãe se realize ou não
Muitas mulheres sentem outros chamados e motivações. O amor multiplica-se de inúmeras formas, transforma realidades e resgata vidas. Por isso, precisam ser acolhidas e respeitadas em suas decisões.
Por séculos, os interesses femininos reduziram-se aos cuidados com o marido, com a casa e com os filhos. Com a emancipação da mulher, os homens também passaram a direcionar sua energia para o cuidado com a família e com a sua prole. Passaram a compartilhar o prazer e a alegria de gerar vida e acompanhar o seu desenvolvimento.
O lugar do pai passou a ser central. O pai também nutre, ama, cuida e protege. Tem o útero na mente e no coração.
Muitos são os temas quando pensamos na maternidade, como: as novas organizações familiares; o crescimento de famílias monoparentais, de mães solo e de pais solo; a adoção de crianças por casais homo e heteroafetivos; o aumento de casais que optam por não ter filhos. Situações desafiadoras, que geram, em alguns casos, polêmicas e opiniões diversas.
A melhor forma de pensar sobre elas é colocá-las em pauta
Como as mudanças nos hábitos, costumes, crenças e valores estão cada vez mais velozes, a complexidade de situações demandam reflexões específicas. Nesse momento, opto por trazer para o centro a questão das perdas na maternidade. Mulheres que não realizaram seu sonho de ser mãe ou demoraram a concretizá-lo.
Quando fiquei grávida pela primeira vez, senti-me iluminada e plena de amor, de alegria e de esperança. Mas, tive três abortos espontâneos nos primeiros meses de gravidez. Foram momentos de dor e impotência. Tive que viver o luto da perda e ressignificar aqueles acontecimentos.
Para quem tem o desejo de ser mãe, não existe notícia melhor do que o anúncio da gravidez, mas, quando perdemos aquele filho tão esperado somos tomadas por uma tristeza infinita. Só o tempo pode curar e resgatar aquela energia que ficou bloqueada por traumas não elaborados.
Muitas vezes essa frustração acontece também quando não conseguimos engravidar, ou quando recebemos a notícia de que não seremos mãe. Em todos esses casos, temos que viver o luto pela perda para buscar a cura e a reconciliação com o nosso útero e com todo o nosso ser.
Existem outras formas de gerarmos vidas, seja através da adoção ou através do exercício da maternidade em nosso jeito de ser e viver, na profissão, na família, em trabalhos voluntários, em ações concretas nesse mundo tão carente do amor e da generosidade que um útero curado pode oferecer. Digo isso por experiência própria.
Aparentemente eu havia superado esse trauma, pois, tive um lindo filho, motivo de muitas alegrias, plenitude e gratidão. Mas, em busca de curas para o meu eu interior, descobri que precisava fazer um processo de reconciliação com o meu próprio útero.
Em terapia, tive a oportunidade de identificar que o fato de ter tido três abortos espontâneos, fez com que meu útero gerasse em mim um medo de falhar como ser humano, medo de não ser capaz de nutrir e proteger. Mergulhei em minha essência para libertar-me de medos, culpas e ressentimentos. Trabalhei o perdão e o autoperdão. Desenvolvi um novo olhar sobre a vida e a maternidade.
É preciso coragem para ir ao encontro de nossas dores, mas, essa é a única forma de sermos pessoas melhores e construirmos um mundo melhor. A cura individual gera comprometimentos e mudanças coletivas.
Não podemos esquecer que somos protegidos e guardados pelo útero da nossa mãe terra
Por isso, é preciso cuidar desse útero maior que é fonte de vida, de abundância e sobrevivência do planeta. São muitos os processos e a missão que temos nesse mundo, por isto, quanto mais curados, maior a nossa contribuição.
Você já parou para pensar sobre os medos que os acompanham e paralisam para viver o amor e a maternidade de forma ampla, incluindo tantos que precisam desse aconchego e acolhida? Como canalizar sua energia e seu amor para outras fontes de realização e transformação?
Como cuidar da nossa mãe terra para que possa nos acolher em seu útero e possibilitar uma qualidade de vida para todos os seus habitantes?
Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo). Autora do livro Por um Triz – Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia.
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7 thoughts on “O útero que acolhe e transforma”
Moça, se me permite, quero aplaudir de pé o seu artigo. Como é atual! E essa associação de ideias entre o útero da mulher e o da Mãe Terra é maravilhosa!
Gratidão Alcir. Suas palavras me impactaram estimularam a mergulhar cada vez mais nesse universo, com tantos desafios.
Muito bom o texto, é abrangente e nos leva à reflexão.
Quanta sensibilidade para tratar de tema tão intimo. Nas entranhas dos sentimentos está este sentido do cuidado na maternidade. Ultrapassar as convenções e alcançar a plenitude do amar maternal feminino contido nas mulheres e homens sobretudo na terra. Muito lindo Beatriz!!!! Suas palavras são expressão de uma sensibilidade impar. Parabéns!!!!
Gratidão Helena, suas palavras me fazem mergulhar mais uma vez em minhas próprias reflexões e avançar por caminhos propostos por você
Que mergulho no útero feminino! Tão pródigos para gerar a vida, que o fazem até no lado de fora! Quantas mulheres geraram filhos nos úteros afetivos! Muito lindo você fazer esse resgate! Cada crônica é um pequeno útero! Vai gerando vida aos poucos!
Olá tudo bem? Espero que sim 🙂
Adorei seu artigo,muito bom mesmo!
Abraços e continue assim.