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Por Washington Luiz de Araújo, jornalista, #SarauLiterário, #Bem Blogado
Os meus pés pisaram a poeira de muitos caminhos!
Tenho comigo as lembranças mais gratas de minhas cantorias, ainda no começo de minha vida.
Percorri todas as serras, alcancei os chapadões, varei a caatinga, entrei no brejo…
Por toda parte eu levava a minha voz, assim como um soldado leva a bandeira do seu batalhão (Cego Aderaldo)
Sarau Delivery traz o poeta popular, cantador, repentista Cego Aderaldo (1878-1967)
Inspirado na peça do projeto Teatro Cego, “Um Outro Olhar”, escrita e dirigida pelo amigo Paulo Palado, que será apresentada por estes dias no Rio (veja no final desta postagem) tentamos aqui trazer um pouco da saga de Cego Aderaldo.
A peça, apresentada no escuro no palco e na plateia, procura incutir na gente um pouco do que é ser cego, nos trazer um pouco de sensibilidade neste mundo tão individualista, tão insensível. O artista Cego Aderaldo fez também isso, com a sua arte.
Ao Luiz Claudio, cego que conheci e guiei por uns quarteirões no Rio recentemente. Na verdade, ele é que me guiou, mostrando sua resistência e sensibilidade, me abrindo os olhos para este mundo que parece um breu só, mas, ó minha extensa ignorância!, não é.
Luiz Claudio tem hoje 41 anos e ficou cego aos 19. Perguntei como reagiu a isso: “Tive que seguir em frente, não ia ficar chorando num canto”. Lembrei-me do poeta Robert Frost: “a saída é seguir em frente”.
Veja aqui o quanto Cego Aderaldo seguiu em frente, nas feiras, nas vielas poeirentas do Nordeste. Aderaldo que ganhou o mundo, cantado e tocado por Luiz Gonzaga, Baden Powell e Egberto Gismonti. Tudo isso porque cantou em repentes e desafios com outros mestres a sua vida, o seu viver, o seu Ceará, o seu Nordeste.
Veja textos e vídeos da epopeia do Cego Aderaldo. Adentre um pouquinho na arte deste bardo nordestino:
“Aderaldo Ferreira de Araújo é uma legenda de cantoria nordestina. Cego, tradição de um Homero ou de um Tirésias, cumpriria o destino traçado pelos deuses de ser privado da visão para ser apenas voz. Mas que conheceu a luz e a cor até aos 18 anos. É a permanência da oralidade que está em foco.
Seu cantar flui, interminável, como uma litania sertaneja.
Ele está sempre apto para a peleja. Maneja voz e viola como armas, com uma destreza de mestre. O sertão inteiro repete, ainda, de cor, o seu improviso e sabe histórias de repentes com a marca do gênio.
Os grandes nomes da cantoria cantam com ele. Até mesmo pegas que nunca existiram ganharam transmissão oral ou foram transcritos para folhetos de cordel. Um cego andarilho, que não vendia histórias, papel reservado a eles na tradição européia, mas que ganhava a vida como um “performer” medieval. O importante não era apenas o que ele dizia, mas como dizia, a eloqüência da voz, aos artifícios da retórica, a verve de quem sempre tinha um argumento a mais para exibir no último instante e fazer calar o rival. O Cego Aderaldo foi o maior jogral que o Nordeste já teve. (…) Nos mercados, nos patamares das igrejas em tempo de festas, nos terreiros das fazendas, ainda se faz ouvir o tom plangente de sua viola e o matraquear de sua poética.
Aderaldo está cada vez mais vivo no coração e na lembrança de todos os que sabem puxar os fios e tecer essa histórias feita de mil-e-uma noites de rimas, ritmo e agilidade. É um saber tradicional que se cristaliza e se torna monumento feito de palavras e sons.
(contracapa do livro “Eu Sou o Cego Aderaldo” – #EditoraMaltese, 1994)
Trecho de um texto do próprio Cego Aderaldo:
― Cante, cego… cante “Eugénia”.
E eu comecei, a voz ensoluçada, molhada mesmo. E fui destranvando, acertando os tons, pondo melindres na voz...
“Vamos Eugénia, fugindo
De tudo alegre sorrindo
Bem longe nos ocultar
Como boêmios amantes
Por entre vagas errantes
Pra ser feliz, basta o mar.”
Mal acabei de cantar, ainda com uns trêmulos na voz, reboou um aplauso tão forte que até parecia trovão passando em cima da serra. E o peito deste cego velho, da alegria, bateu descompassado mais uma vez.
A história de Cego Aderaldo contada pelo locutor Almeida Junior
Luiz Gonzaga canta “Cego Aderaldo” (Joao Silva /Maranguape)
Desafio do Cego
Aderaldo com Zé Pretinho, A peleja do Cego e Zé Pretinho, Cordel Colatino
O cego Aderaldo (Nordeste) – Baden Powell
O cego Aderaldo (Nordeste)’ tema #1 del lado B do álbum “27 horas de estúdio”, de 1969, de Baden Powell
“Cego Aderaldo 120 anos” – CD completo
Cirino – “Pra Lá de Cego, Aderaldo” (1979)
Egberto gismonti e L. Shankar em “Cego Aderaldo” (Egberto Gismonti)
“Cego Aderaldo”, de Egberto Gismonti, pelo Trio Mágico: – Paul Harrison – piano, Mario Lima Caribé – baixo, Stu Brown – bateria.
Cego Aderaldo: vida e obra
http://www.deficienciavisual.pt/r-Cego_Aderaldo.htm
Acorda Cordel: Cego Aderaldo, entre o real e o imaginário
http://acordacordel.blogspot.com/2019/12/cego-aderaldo.html
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