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Conversa sobre a velhice 2

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Seguindo a conversa anterior…

Por Alcir Santos

Outro ângulo da questão é a #família, instituição por todos idealizada, mas que de verdade pode ser tanto o céu quanto o inferno. No passado tinha um cunho tribal, circular. Os velhos cuidavam dos jovens e estes, mais na frente, cuidavam dos velhos. Era o tempo em que filhos e netos não iam muito longe. Cresciam, entravam no mercado de trabalho, constituíam a própria família, mas se fixavam nas proximidades. Tempo em que se podia almoçar em casa e dar atenção aos parentes.

As mulheres, até então o eixo, o alicerce que sustentava toda a instituição, responsáveis pela educação dos jovens, pela transmissão de valores, saíram de casa e tiveram que se desdobrar. As condições sociais, econômicas e culturais impulsionaram-nas para o mercado de trabalho fora do lar. Tiveram de se qualificar para então disputar, palmo a palmo, com os homens, os espaços e as vagas oferecidas, em praticamente todos os ramos de atividade. Com isso os homens ficaram perplexos e acovardados e a família nunca mais foi a mesma.

As mulheres continuam sendo discriminadas e remuneradas abaixo dos níveis dos homens ainda que muitas vezes trabalhem os três turnos; respondem por uma carga de trabalho muito maior que a dos homens.  O que vai resultar disso? Bem, como as revoluções e os fatos sociais demandam tempo para serem analisados e digeridos, daqui a dois, três séculos, poderemos ter uma visão aclarada desse torvelinho.

A sociedade mudou

A família já não é tribal nem circular. Os familiares já não estão próximos, salvo em pequenas cidades. Nos grandes centros, as pessoas podem até morar próximas, mas na maioria das vezes só se comunicam por telefone ou qualquer outro desses meios modernos de comunicação. Raramente se encontram. O distanciamento físico é um imperativo da vida agitada e sem descanso. Outras vezes, são os mais jovens que se vão em busca de seus próprios caminhos e então o cuidar dos velhos passa a ser uma impossibilidade real. Nesse quesito, imperdível ver ou rever o sensacional #Amor, do diretor austríaco #MichaelHaneke.

Adicionemos a esse quadro outra desnorteante faceta da sociedade hodierna: Os jovens já não conseguem ir mais longe que os das gerações anteriores na escala social. A constatação desse fato deixou atarantados estudiosos e dirigentes dos países da Europa Ocidental. Afinal, a história pregressa não registrava nada parecido. Impedidos de ascender socialmente, de obter salários dignos, sem condições de constituir família e ter casa própria, são forçados a viver eternamente com os pais.

Aí uma face hedionda do novo capitalismo. Os donos do dinheiro já não investem, não geram empregos, multiplicam seus ganhos especulando no mercado. Como efeito colateral perverso, escasseiam os empregos e os que restam remuneram miseravelmente, sem oferecer qualquer segurança. Como planejar a vida futura em tais condições?

Sem alternativa, filhos continuam sob o teto e às expensas de pais e avós. Estes se veem na contingência de sustentar toda a família com um benefício previdenciário que se estiola mês a mês. Terrível. Menos mal se os mais jovens cuidam e zelam pelos mais velhos, seus mantenedores. Pior nos casos em que os velhos, mesmo pagando as contas, acabam reféns de parentes que os maltratam, física e moralmente.

Registre-se que esse tipo de situação já não é raro e está em todas as classes sociais. Mais um componente perverso: Inexplicavelmente (ou não), os humilhados e ofendidos não reagem. Calam e escondem o sofrimento em nome de uma família que, de fato, é somente uma cruel caricatura da instituição que um dia foi tão reverenciada.

Nesse quadro, emerge uma nova profissão, cuidador, a pessoa com algum conhecimento de enfermagem, especializada em cuidar de velhos. Afinal, os maravilhosos remédios do arsenal da Indústria farmacêutica não têm o condão de curar as doenças degenerativas – e nem as crônicas. Depois, de nada adiantam se os velhos esquecem-se de usar! Em cidades como Salvador, onde faltam condições financeiras aos velhos, praticamente inexistem as “casas de repouso” (ou que outro nome tenham). A propósito, sobre o tema, vale a leitura do #A Máquina de Fazer Espanhóis, de #ValterHugoMãe.

Em tais condições, a solução é contratar um cuidador e manter o velho em casa, especialmente se for ele o mantenedor. De qualquer que seja o ângulo de observação, se já não existem familiares aptos e/ou dispostos a ajudar os velhos na longa e, muitas vezes, traumática travessia, a solução para os que podem é contratar profissionais. Aí entram duas variáveis simultâneas: A existência de recursos para pagar os serviços do cuidador e a presença de alguém que o fiscalize e controle. Sobre o tema, há que ser visto #Intocáveis, de #EricToledano e #OliverNacache.

Dos que não podem contar com alguma infraestrutura de apoio, é melhor não falar. Que cada um faça suas elucubrações levando em conta o que se vê pelas ruas das cidades e a certeza de que o estado não se preparou – e nem quer – para cuidar desses indivíduos que ousaram romper a barreira dos 60 e estão a mendigar assistência médica, social e alimentar.

Uma ressalva. Ser velho não é sinônimo de bondade, compreensão e prudência. Não há porque generalizar. Velhos são como quaisquer outras pessoas. Tem velho de todos os tipos e para todos os gostos. Alguns, felizmente não a maioria, são decididamente intratáveis, cheios de razão, intolerantes, agressivos e outros vivem a recitar um mantra que tira qualquer um do sério, o famoso “no meu tempo…” Dúvidas? Passe alguns minutos observando as filas destinadas aos velhos em mercados, bancos e assemelhados.

gerações (Foto: #GazetaViews)

Alcir Santos é aposentado e leitor compulsivo. Coisa ele diz: “ex um bocado de coisa”, de office-boy, bancário, professor de História e Direito Civil e Prática Forente a juiz. Colunista da Revista Nova Família

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One thought on “Conversa sobre a velhice 2

  • José Wellington Oliveira -

    Estou tomando de alegria por ser mais uma vez presenteado por tão bem elaborado trabalho cujo tema é de tamanha relevância, com realidade ora despida, ricamente em detalhes, cara da realidade ! De carteirinha minha admiração Sr. Dr. , Amigo, Alcir Santos! Merecido parabéns!!

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