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Chegamos ao capítulo Dor
Por Alcir Santos
Há quem diga que se um velho acordar e não sentir dores é porque já morreu. Não generalizemos.
Alguns afirmam não saber o que seja uma dor-de-cabeça. Exceções.
A verdade é que, na média, ser velho é, dentre outras coisas, estabelecer um modus vivendi com a dor. E note que não estamos falando das excruciantes dores crônicas, como artrose e artrite ou a aterrorizante fibromialgia, que
exigem tratamentos especializados.
Não. Vamos ficar adstritos àquelas do dia-a-dia, as de origem muscular ou articular, decorrentes na maioria das vezes da somatização do estresse e dos aborrecimentos e também da má postura acumulada ao longo dos anos.
Incluamos ainda as oriundas da coluna, tais como os “bicos de papagaio”, hérnias de
disco e protusões.
Graças ao arsenal de remédios e procedimentos, é possível tocar em frente, convivendo com as dores e mantendo uma boa qualidade de vida. Natação, pilates, acupuntura, fisioterapia e massagens, dentre outras práticas, garantem o alívio
necessário ao desempenho das atividades diárias.
Quando as coisas se complicam, o jeito é apelar para os analgésicos e anti-inflamatórios. E aí é que se trava, em cada indivíduo, uma espécie de jogo com a dor.
Remédios são a última alternativa. Inclusive pelo risco dos efeitos colaterais, mais acentuados em velhos e crianças. O jogo co nsiste, conhecendo-se até onde vai o limite da dor, em suportá-la o máximo possível, esperando que regrida. Quando atinge
níveis próximos do limite suportável, que varia de pessoa para pessoa, é hora de apelarara a medicação, sem esquecer que nessa etapa há uma gradação. Os analgésicos mais poderosos, os que podem até sedar, só são tomados em última instância.
Os idosos que convivem com a dor sabem do que estamos falando e, evidente, sabem jogar o jogo, cônscios de que as dores não os impedem, respeitadas as limitações individuais, de fazerem o que precisam e gostam. Muitas vezes, mesmo com esses reveses, executam atividades diversas com prazer e o inexcedível sentimento de superação.
Outra lição que se aprende é a de que a confiabilidade de analgésicos e assemelhados é relativa. Na verdade, não eliminam a dor; atenuam. Para suprimi-la, é preciso que sejam muito potentes; neste caso, acabam “apagando” o paciente. Nem a morfina e seus derivados possuem a mágica que todos almejamos.
A crônica médica é farta em relatar o temível quadro, misto de ansiedade e dor, que se instala nas pessoas quando começam a cessar os efeitos da dose tomada. Portanto, a dor é parte integrante e indissolúvel da vida dos velhos. Não adianta se lamentar nem imprecar. É muito mais prático usar os meios disponíveis para torná-la suportável e seguir em frente, lembrando-se da letra de um samba das antigas, mais ou menos assim:
Enxugue a lágrima
faça um sorriso
mostre a essa gente
que é feliz…
que é fel
Até aqui tratamos da dor física
Falemos agora de outro tipo, da que atinge o âmago de cada indivíduo, derivada de frustrações, decepções, sonhos desfeitos,
solidão, insegurança e medo. Esse tipo de dor é terrível porque pode levar à loucura, ao alcoolismo, ao suicídio e, sobretudo, à apavorante depressão, seguramente um dos mais devastadores males das sociedades hodiernas.
A quem interessar, sugerimos uma lida em “Demônio do Meio-Dia”, de #AndrewSalomon.
Depois de toda uma trajetória de vida somando vitórias e derrotas, as pessoas chegam à velhice carregando um fardo apreciável. E aí há que se administrar esse acervo de vivências para não sucumbir sob um peso além das forças.
A sanidade aqui vai depender, na maior parte das vezes, da forma como cada um consegue processar no cérebro as mudanças abruptas que a vida costuma impor a todos e a cada um de nós. Alguns sequer conseguem conviver com o rosto e o corpo, marcados e desgastados inexoravelmente pelo tempo.
Há um fato concreto a ser considerado nessa etapa: a vida seguirá independente das mágoas, alegrias, vitórias e dores. Portanto, essa é a hora de tentar viver cada dia no seu tempo.
Porque o dia de amanhã a si mesmo trará seu cuidado.
Ao dia basta sua própria aflição;
Mt 6,34
Verdade. O passado já se foi e não há como fazê-lo voltar; o futuro é somente uma possibilidade; de certo, palpável, apenas o
agora. De ser assim, o que nos resta é valorizá-lo, fazê-lo o melhor e mais prazeroso
possível.
Tratar de passado pode ser até interessante numa roda de amigos, num momento de descontração, cada um lembrando momentos vividos de uma forma que talvez só tenham ocorrido nas suas lembranças.
E, reconheçamos, tem coisa mais agradável que um grupo de velhos a contar “causos” inverossímeis? Nessas horas, o
riso solto ecoa longe e deixa afastadas dores e tristezas.
Afinal, versejou:
É melhor ser alegre que ser triste
Vinícius de Moraes
Logo…
Não é fácil conviver com preconceitos, indiferença, deboches, dores, achaques, dinheiro curto, cidades e casas hostis pela própria construção. Sobretudo sob um Estado que, ávido por impostos, recusa-se a cumprir a sua parte no pacto social oferecendo condições de sanidade e saúde com um mínimo de qualidade.
Isto não implica em que caiamos genuflexos. Não. Danem-se as dores!
A hora de viver e aproveitar é só e somente essa. Porque, depois, como cantou o bardo britânico:
“o resto é silêncio”.
Alcir Santos é aposentado e leitor compulsivo. Coisa ele diz: “ex um bocado de coisa”, de office-boy, bancário, professor de História e Direito Civil e Prática Forente a juiz. Colunista da Revista Nova Família
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2 thoughts on “Conversa sobre a velhice 3”
Tema pedregoso, digamos assim, Alcir, mas tratado brilhantemente por você. Parabéns e um abraço grande. Ruy Espinheira Filho.
Aqui é a Sofia Martins, gostei muito do seu artigo tem
muito conteúdo de valor, parabéns nota 10.
Visite meu site lá tem muito conteúdo, que vai lhe ajudar.