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O EXEMPLO QUE DAMOS ÀS NOSSAS FILHAS

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Os crimes contra as mulheres mostram que ainda estamos muito longe da igualdade entre gêneros. Ter autoestima fortalecida e se valorizar são bons modelos para mudar essa realidade para as futuras gerações

CLÉO FRANCISCO, jornalista especialista em Educação Sexual

A cada hora e meia, uma mulher é assassinada no Brasil. Estima-se que, entre 2009 e 2011, ocorreram no país 16.993 mortes violentas de mulheres, de acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). Na maioria das vezes, os assassinatos foram cometidos pelos parceiros. Outro dado incômodo: a Lei Maria da Penha não causou mudanças nas taxas anuais de mortalidade. Na pesquisa sobre feminicídio (morte de mulheres decorrentes do conflito de gênero e que se tornou crime hediondo no Código Penal em março deste ano), ressalta-se o fato de que esses assassinatos representam apenas a ponta do iceberg. A base deles é composta, no geral, por mulheres agredidas fisicamente, emocionalmente e sexualmente.

Isso também me chamou a atenção. Ao ler o relatório, quase que imediatamente lembrei-me de um dia na sala de espera do meu ginecologista. Comecei a bater papo com uma senhora de cerca de 50 anos, que criticava a vida sexual do pai. O idoso de quase 80 anos era viúvo e, passado o período de luto, voltou a se relacionar com outras mulheres. Tudo indicava que a vida dele sob os lençóis era bem animada. Ouvi tudo e comecei a desconfiar que tantas críticas à forma como o pai vivia sua sexualidade eram sinal de que ela própria não tinha uma vida feliz entre quatro paredes.

Fui perguntando aqui e ali e descobri detalhes de sua intimidade. Havia alguns meses, ela e o marido dormiam em quartos separados. A decisão partiu dela, que antes da mudança de aposento passou anos fazendo sexo por obrigação. Ela não queria e seu par não se preocupava em seduzi-la, conquistá-la ou tentar conversar sobre o assunto a fim de mudar o cenário. Mas, com filhos pequenos e sem profissão, ela aguentava a situação. Quando um dos meninos entrou para a faculdade em outra cidade e saiu de casa, ela levou suas coisas para o quarto que ficou vazio e deu um basta ao sexo feito por dever. O marido esperneou, não gostou, mas acabou aceitando e continuou com suas amantes. O arranjo se tornou confortável para ambos, que não queriam mudanças no matrimônio – e nem no patrimônio.

A conversa terminou quando meu nome foi chamado e o médico me atendeu. Contei para ele, um tanto estarrecida, a história que tinha acabado de ouvir. Ele me disse que isso era “fichinha” perto do que escutava das pacientes. Recordou de uma que havia atendido naquele dia mesmo: a mulher comentou que, muitas vezes, o marido mal chegava em casa e já ia levantando o seu vestido na cozinha, querendo penetrá-la sem que estivesse lubrificada, não se importando com sua dor e desconforto. Ele lembrou-se de outras histórias como essas, que acontecem dentro do ambiente doméstico e cujos detalhes poucos ficam sabendo. Saí da consulta mais chocada que quando entrei.

Não deveria: se eu fizesse um retrospecto de confissões que já ouvi de algumas mulheres…. Quantas, em meio aos desabafos e lágrimas, já deixaram escapar que foram chamadas de vagabunda, piranha, entre outras coisas, pelos maridos. Ofensas que deixaram um gosto amargo, que não somem com o pedido de desculpas, nos raros casos em que isso aconteceu. Também perdi a conta de histórias que publiquei de esposas que tiveram tanto a autoestima quanto os ossos quebrados pelo parceiro.

Escrevo sobre esses casos para alertar e, talvez, ajudar algumas mulheres a perceberem onde estão e qual caminho podem trilhar. É uma forma de contribuir para que esses crimes cessem ou, pelo menos, diminuam. A morte de milhares de mulheres por ano, na maioria das vezes, é apenas o triste ponto final de uma história que começou lá atrás com um xingamento, passou pela agressão física e descambou para o assassinato de brasileiras que não conseguiram sair de uma situação de submissão.

Gostaria que você, que me lê neste momento, reservasse alguns minutos para pensar em como é tratada por seu parceiro. E se, por acaso, o desrespeito estiver presente na rotina do casal, reflita se não se trata de um caso de abuso – seja físico, moral ou sexual. Quando nossa autoestima está abalada ou não foi fortalecida durante o nosso processo de crescimento, não consideramos o merecimento que todos temos de viver a vida com plenitude e ao lado de quem gosta de nós e nos faz felizes. Infelizmente, muitas tiveram como exemplo feminino pessoas que se acreditavam inferiores aos homens. E elas também passaram essa crença para filhas, netas, sobrinhas…. Para o nosso bem e das próximas gerações de mulheres, vamos trabalhar para romper esse ciclo. Que nossas filhas, netas e bisnetas conquistem a independência, empoderamento e respeito que todas as mulheres merecem.

“Infelizmente, muitas mulheres foram criadas por outras que se acreditavam inferiores e que perpetuaram essa crença”

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