Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

O tempora O mores

Compartilhar é se importar!

Artea: Reprodução

Por Alcir Santos

Não

Longe deste ancião qualquer idéia do tipo “no meu tempo não era assim,” como cansei de ouvir dos mais velhos da minha época. Não. A ideia é somente traçar um paralelo entre épocas distintas, mas sem qualquer intuito de tomar partido, ou enveredar pela trilha de “bom & melhor”.

Nada disso

Tomo como título a expressão que Marco Túlio Cícero usou em quatro dos seus discursos, mas que atravessou o tempo graças a sua Primeira Oração Contra Catilina. Se o orador romano a usou como expressão do seu desgosto, para deplorar a lamentável condição da República Romana, na qual um cidadão poderia conspirar contra o Estado e não ser punido adequadamente, este escriba se limita a copiá-la, sem qualquer juízo de valor. Uma mera referência a cada tempo e seus respectivos costumes.

Aos fatos

Dia desses, trafegando pelo infernal trânsito de #Salvador, ouvi, pelo rádio do carro, o apelo de uma educadora, aos jovens, lembrando que tudo que cai na #Internet fica para sempre e que eles iriam ter filhos que poderiam acessar tais imagens; além disso, havia a possibilidade de que viessem a mudar de parceiros e se envergonhar ou vir a sofrer constrangimentos pelas imagens ou vídeos postados. Referia-se a um tal de “Nude Pós Sexo”, uma nova brincadeira, consistente em mostrar vídeos ou fotos feitos logo após uma sessão de sexo.     

Pior, muito pior

Em decorrência dessa coisa de filmar e fotografar cenas íntimas que acabam caindo na “rede”, soube de dois fatos que me impactaram, pensando no sofrimento dos envolvidos. No primeiro caso, aqui na capital, vazou um vídeo de dois rapazes praticando sexo. Quem e como não se soube. Fato é que a namorada de um deles teve acesso e, enraivecida, tratou de divulgá-lo. Resultado, o garoto suicidou. No outro caso, no interior, o namorado, propositadamente, colocou o celular para gravar um encontro íntimo, a seguir,  divulgou.

Cidade pequena é fácil imaginar o constrangimento da menina e da família ao tomarem conhecimento das cenas, frutos de um momento de pretensa confiança e intimidade entre dois namorados. Para evitar que algo de mais grave acontecesse com a garota, já impedida, pela vergonha e pelo medo, de sair às ruas, os pais tiveram de afastá-la da cidade, cuidando de situá-la onde não fosse conhecida. Bem, aí estão dois exemplos do que, me permito imaginar, estaria acontecendo a todo o momento.

Uma variação

De atitudes que tais, com repercussão na imprensa, seriam as de mulheres, maduras e independentes, que caíram vítimas de quadrilhas organizadas cujos membros ganhavam a confiança delas com promessas de casamento, relacionamentos etc, pediam fotos íntimas e, de posse delas, tratavam de chantageá-las pedindo dinheiro em troca das imagens. Muitas, além de perderem o dinheiro, ficaram, naturalmente, desesperadas porque não há como saber o destino das fotos.

Nesses casos

A pergunta que fica -considerando que a #Solidão seria a grande doença do século XXI, de acordo com opinião de alguns psicólogos e psiquiatras, agora agravada pela #Pandemia que isolou pessoas de todos os níveis sociais e culturais- é: Tais pessoas, pretensamente esclarecidas, foram induzidas pelo fato de estar sofrendo as agruras da solidão, da falta de pessoas por perto, de amigos, parentes? Ou tudo seria somente um reflexo dos costumes atuais?

Sinceramente, não há como responder. Mas são fatos que não dá para discutir.

Posteriormente

Vi, em sites de acesso público ilimitado, imagens de casais em lugares os mais diversos, e até de difícil acesso, colhidas por terceiros, à distância, com o objetivo evidente de invadir a intimidade alheia. Portanto, já não há que se falar em privacidade das pessoas, fora das quatro paredes de um quarto.

E dizer que em Salvador, como em tantas outras cidades pelo Brasil afora, houve tempo que todo lugar era lugar, bastava que o casal estivesse a sós num canto afastado. Ninguém se preocuparia em fotografar ou filmar.

Mais ainda

Nessa velha cidade de Catarina e Thomé de Souza, um prefeito fez construir uma área onde os casais costumavam assistir “Corrida de Submarinos” à noite, sem que ninguém cuidasse de procurar saber o que estavam fazendo ou como faziam para ver os submarinos competindo sob as águas escuras do Atlântico. Bem, é verdade que, ao longo dos séculos, artistas os mais diversos, deixaram gravadas para as gerações vindouras, manifestações artísticas de cunho sexual, quando não pornográfico.  

A exemplo

“O Ídolo Eterno”, de Rodin, “Cama Francesa”, de Rembrandt; “Sete Banhistas”, de Paul Cézanne ou “Na Cama”, de Toulouse-Lautrec.

Aí se explica

Porque o sexo, necessidade primária dos seres vivos, não poderia estar ausente das manifestações artísticas, desde tempos primevos, como se pode ver a partir de inscrições rupestres.

A título de exemplo:

Vaso Moche, civilização que habitou o Peru bem antes dos Incas, do acervo do Museu Larco Herrera, em Lima; ou a escultura recolhida das ruínas de Pompéia, que se encontra no Museu Nacional de Nápoles.

Na sequência:

Escultura, em Jade, produzida durante a Dinastia Ming (1368-1644), na China

Afresco, provavelmente feito entre os anos 89 a.C. e 79 d.C, encontrado nas ruínas de Pompéia (Itália) mostrando Príapo, o deus da fertilidade.

Já na pré-história (29.000 a 9.000 anos atrás) nossos ancestrais produziram inscrições rupestres de conotação sexual, inclusive grupal, como se pode ver nas imagens abaixo, três delas da Serra da Capivara (PI), inclusive a poética “O Beijo”.

Não só em pinturas, esculturas e outras manifestações das artes plásticas, também em textos, a exemplo do #KamaSutra, escrito há mais de 2000 anos pelo estudioso #Vatsyayana, texto indiano que tinha como objetivo disseminar conhecimentos sobre como ter uma vida mais completa e com relacionamentos mais harmoniosos. E isso, claro, passava pelas relações sexuais.

Ocorre que tais manifestações não pregam, nem recomendam a quebra da intimidade, da privacidade das pessoas.  Decorre daí que os fatos narrados no início, tanto o voluntário “nude” como a mania de filmar e fotografar, para escandalizar, momentos de intimidade de quem quer que seja se situam bem distantes das regras de comportamento vigentes na geração deste macróbio escriba. Eram outros tempos, tempos que não comportavam nem a indiferença, nem a falta de solidariedade a que assistimos diuturnamente, fazendo com que a expressão humanidade, no seu sentido de benevolência, compaixão, civilidade, perca sentido, pois o que importa é o “euísmo”.

 Longe deste texto, vale repetir, qualquer intuito de críticas, ou comparações do tipo melhor-pior, afinal cada tempo tem suas regras, seus costumes, cabendo a cada um vivê-lo da forma que entender melhor, desde que não se imiscua na intimidade alheia. Feita a observação, sigamos em frente.

Vadico e Noel ensinaram, na imorredoura Feitio de Oração, que “ninguém aprende samba no colégio”, Educação Sexual, sim. E esse é um aspecto curioso da sociedade brasileira, a partir da família onde raros pais tratam dela com seus rebentos, embora muitas vezes, estimulem a prática. Decorre daí uma série de problemas comportamentais, e distorcidos, que acabam se enraizando no cérebro das pessoas.

Pois bem

Quando este ancião adolescia eram os colegas mais velhos que cuidavam de submeter os mais novos aos diversos ritos de passagem, começando pelo cigarro e pelo álcool até atingir a iniciação sexual. Isso para os homens; as mulheres, vítimas de um sistema patriarcal e machista, sofriam tratamento repressivo, calcado na preservação da virgindade. Tal disparidade podia resultar, no futuro, em casamentos intempestivos e desastrados, uniões mal resolvidas, traumas e um silêncio carregado de opressão e conformismo.

Algumas transgrediam, muitas vezes de forma ostensiva e provocante, assumindo as duras consequências e retaliações que poderiam sofrer. Para os rapazes as coisas eram, aparentemente, mais fáceis.  O traço de união, o que aproximava moças e rapazes, eram as brincadeiras, jogos e atividades intelectuais já que a troca de informações sobre livros, filmes e músicas era intensa e constante. Daí nasciam amizades duradouras e, também, um tipo de relação muito importante e valiosa, quase uma instituição social.  Falo dos “confidentes” que costumo comparar, nas respectivas épocas, aos “padres confessores” de antanho e aos “analistas” de hoje.

Primeiro que confidente era um poço de segredos, segundo porque era o ombro onde se podia repousar a cabeça atormentada; terceiro porque ao confidente se podiam falar coisas que não se ousava com pais, amigos, ou irmãos. Finalmente, o (a) confidente tinha poder e moral para dar “bronca”, fazer recomendações, aconselhar. Talvez “confidente” seja a mais perfeita definição do que seja AMIGO.

Voltando

A questão dos ritos de passagem, normalmente assentados no trinômio álcool, cigarro e sexo. Na época o uso das drogas ditas ilícitas era muito restrito, chamar alguém de “maconheiro” equivalia a uma ofensa sem tamanho. Era coisa de marginais. O cigarro era experimentado aos poucos, nos intervalos de aulas ou na saída do colégio; normalmente umas pitadas de “Continental” ou “Hollywood”, as marcas mais consumidas.  Se o iniciando, após algumas tentativas, desistia de ser fumante, o acolhimento se dava da mesma forma, já fazia parte da turma. O álcool inicial era, quase sempre, a cerveja, o “traçado” (cachaça com Cinzano) ou o “rabo de galo” (cachaça, Cinzano, limão, mel de abelhas e gelo).

A intolerância, depois de algumas tentativas, também não implicava em retaliação, importante era testar, tentar ser igual aos mais velhos. Finalmente, o sexo. Aí se desenvolvia toda uma delicada operação que se iniciava com a aquiescência do novato. Caso aceitasse, alguém assumia o papel de padrinho, fazia contato com uma moça de confiança, explicava o que se esperava dela na iniciação e, muitas vezes, cuidava de acertar o preço e, se fosse o caso, pagava. Também podia que ela recusasse pagamento, contentando-se com a honra de ser a iniciadora.

No dia aprazado compareciam ao castelo onde iria ocorrer a iniciação. Tomavam algumas cervejas, a moça era convidada a sentar-se à mesa e aí eram feitas as apresentações. Ela assumia o comando, entrava na conversa, se aproximava do garoto e aos poucos, entre cochichos, ia ganhando a confiança dele; mais adiante passavam ao jogo de carícias e, quando entendia que era a hora, convidava-o a acompanhá-la ao quarto. Os demais continuavam por ali, bebendo e eventualmente incursionando pelos quartos de outras garotas. No final, o casal retornava à mesa. Aí um fato curioso, típico da cultura da época, não se pedia ao agora iniciado, os detalhes do ocorrido. A curiosidade ia até saber se gostara, se tudo correra bem, como ele estava se sentindo; a seguir, mais bebida para comemorar o ingresso do novato no clube.

Nada de detalhes 

Fica uma lição valiosa: o que acontece na intimidade de duas pessoas não deve ser assunto de comentários. Interessa somente aos dois. Evidente que isso não impedia o iniciado de esclarecer alguns detalhes, em conversa particular, com o padrinho ou outro colega. Fato é que, feita a iniciação, o novato passava a ser parte do grupo, sabendo que comentários sobre a matéria não eram de bom tom. “Homem que é homem não alardeia sua masculinidade nem intimidade.”

Uma porta se abria

Para um universo de novas experiências, a ser usufruído com intensidade e alguns riscos, mas sem alardes e sem conversas, exceto claro, os acertos, convites ou para tirar alguma inquietação ou dúvida, sempre com os amigos mais experientes.  A noite da Ilhéus de então ficava mais ampla, às leituras, filmes, estudos e sonhos, se juntavam as escapadas. Agrupados em turmas de não mais que quatro, os adolescentes caiam no mundo, onde cabiam as serestas, entrosamento e amizades com as moças, parceiras de incontáveis aventuras, vividas quase sempre a partir da hora em que elas davam por encerrado o expediente, de onde tiravam o necessário para alimentação, aluguel do quarto e demais necessidades e imperativos da profissão.

A propósito

Cabe aqui um parêntese. Embora de suma importância para a humanidade, desde tempos primevos, a prostituição é vista de forma deturpada e preconceituosa. Ninguém se dá conta da sua importância, quer como mestras iniciadoras ou até mesmo conselheiras e analistas, ouvindo, ensinando, aconselhando. Fecho o parêntese destacando que, como desconheço os costumes atuais, valem as considerações para tempos passados, desde os mais remotos até boa parte do #Século20.

Bem a propósito, os versos sempre atuais de #CoraCoralina, dedicados ao Ano Internacional da Mulher, 1975:

MULHER DA VIDA

Mulher
da Vida, minha Irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Mulher da Vida, minha irmã.
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.
Flor sombria, sementeira espinhal
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.

Um dia, numa cidade longínqua, essa

mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.
A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra.
As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
Ninguém te condenou, mulher…
nem eu te condeno.
A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.
Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de leis
e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão,
a levante, e diga: minha companheira.
Mulher da Vida, minha irmã.
No fim dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.
E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrutível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.
Mulher da Vida, minha irmã.
Declarou-lhe Jesus: Em verdade vos digo que publicanos e meretrizes vos precedem
no Reino de Deus.
Evangelho de São Mateus 21, ver.31.

Um capítulo todo especial

Além das noitadas em mesas de bares, as serestas noites a dentro. Viver a noite era possível graças aos insignificantes índices de criminalidade de então. Nos grupos sempre tinha alguém que dedilhava um violão, outro que se assumia cantor e a indefectível garrafa de cana; o bom das serestas, com direito a declamações, é que as famílias costumavam abrir a janela para ver, ouvir e servir um café, uns biscoitos ou, mais cachaça. Evidente que ninguém ia fazer seresta em casas erradas.  

Já com as moças

aconteciam aventuras incríveis, onde não faltavam, além das cantorias e birita, passeios de canoa ao luar ou banhos de mar nas madrugadas onde, não raro, acabavam dormindo, nus, nas areias das praias até que o sol os acordasse… Evidente que, em tais ocasiões algum sexo grupal, na época popularmente conhecido como suruba, acontecia. O detalhe é que, depois, não havia comentários. Alardear o que fez ou deixou de fazer poderia implicar em marginalização. Ninguém gostava de fazer parceria com boquirrotos. Tinha-se tanta coisa para conversar porque ficar falando das intimidades?

Outro aspecto

da vida adolescente de então é que, além da prática de esportes, futebol na praia na maioria das vezes, um bom número deles gostava, e muito, de cinema, música e livros. E como se consumia leituras, incrível a voracidade da garotada!  Neste capítulo contavam as indicações e orientações recebidas em casa, e a influência dos colegas; as trocas e empréstimos de livros eram constantes.

Outro costume

Era a troca de gibis, antes das matinês de domingo à tarde. De ordinário o cinema funcionava a partir das três, mas o pessoal chegava o mais cedo possível, carregando uma pilha de revistas em quadrinhos já lidas, para a sessão de trocas no que parecia uma feira tal a movimentação, inclusive com participação ativa das meninas. Assim ficava assegurada a leitura da semana.

Quanto aos livros

Podemos dividir em leituras “canônicas” e “não canônicas”. No primeiro grupo lia-se de #MonteiroLobato a #MachadodeAssis, sem deixar de lado #JosédeAlencar e os grandes clássicos então na moda, como #AlexandreDumas, #VictorHugo, ##Balzac. Hoje me surpreendo com o incrível numero de páginas que consumíamos com avidez. Dia desses foi que me dei conta do tamanho de O Conde de Monte Cristo. Evidente que havia, sim, espaço para #JorgeAmado e #AdoniasFilho. “Não canônicos” eram todos os que ativavam a libido, inclusive A Carne, de #JúlioRibeiro, precursor da literatura realista no Brasil. Aí entravam os famosos catecismos, com destaque para os suecos, coloridos e, claro, os de #CarlosZéfiro, sem esquecer #CassandraRios e outros da espécie, todos de cunho francamente pornográfico. Com eles a covardia estava garantida.

Ah, como faltava massa crítica

Jorge Amado era lido com avidez em razão das cenas de sexo e de bordeis. Só bem mais tarde é que foi possível identificar o cunho social da literatura amadiana. Antes que esqueça, quase um vício eram os livros de bolso, além dos chamados capa e espada tinham os policiais e de espionagem. Destaco uma série escrita por uma certa Brigite Montfort, Gisele, a Espiã Nua que Abalou Paris. Sucesso total. Muitos anos passados é que ficamos sabendo que a autora era, na verdade, pseudônimo adotado por David Nasser; outros policiais de destaque eram os de Shell Scott e Irving Le Roy.

Os poetas, claro, não ficavam de fora

Em casa e no colégio se aprendia a declamar #CastroAlves, #GonçalvesDias, #ÁlvaresdeAzevedo, #OlavoBilac, #CasimirodeAbreu e seu Meus Oito Anos entre outros. Lembro que quando, em aula, alguém declamava o Y Juca Pirama, de Gonçalves Dias, na parte do canto de morte os demais faziam o ritmo batendo os pés no chão e a professora virava bicho. De Bilac o soneto mais lido era, sem dúvida, o que conhecíamos com o título de Nua. Hoje ele aparece como Delírio, com versos ligeiramente diferentes dos que conseguimos lembrar. Detalhe, tudo indica que os versos não são de Bilac. Talvez tenha sido o soneto mais declamado na época. Outro poeta que tinha assento cativo entre a juventude era o paraibano Augusto dos Anjos. O seu “Eu e Outras Poesias”, capa branca e letras escuras, virou mania, andava de mão em mão. Também outros escritores, alguns quase esquecidos, entravam na moda, #HumbertodeCampos, #RaulPompéia, #AluísioAzevedo, entre outros que a memória já não guarda. Além desses, as meninas também gostavam dos livros de M. Delly, da poesia de J. G. de Araújo Jorge, mas a coqueluche era o, sucesso ainda hoje, Pequeno Príncipe, de #.

Havia, ainda

Duas coleções que eram o suporte a quem recorríamos sempre que necessário. Ali estavam todas as informações que poderíamos precisar para desenvolver um trabalho escolar ou somente tirar uma dúvida e saber alguma coisa nova. A primeira era o Tesouro da Juventude, volumes em capaz dura, azul. Um verdadeiro repositório de informações sobre os mais variados temas, especialmente porque tinha uma parte intitulada Livro dos Porquês.

Ah, era uma festa

Vinha a dúvida, a gente corria para o tal volume e lá estava a resposta. Além disso, contávamos com as enciclopédias, as mais conhecidas eram a #Britannica (assim mesmo, com dois enes) e a #Delta. Para completar os dicionários. Outro fator que motivava a garotada a gostar de livros e se manter informada eram os professores. Ah, esses foram uma benção para toda aquela geração, muitos oriundos de famílias de baixa escolaridade.

Eles, os mestres

Aproximavam-se dos alunos, em especial daqueles que mostravam interesse, conversavam, orientavam, indicavam leituras, tiravam dúvidas e até emprestavam livros. Assim, como não gostar de português, história, geografia e, mais adiante, literatura e sociologia? Os que preferiam biologia, matemática, ciências e línguas, também podiam contar com o respaldo dos professores.

Não por acaso

Ainda guardo o nome de muitos desses mestres maravilhosos. Enfim, por qualquer que seja a razão, inclusive as apenas suportadas, mas obrigatórias, aulas de educação física, ser estudante dava ao jovem muito orgulho, motivo de ostentar a farda com a empáfia de quem se sentia diferenciado.

No capítulo música

As preferências iam para os boleros, sambas-canção, tudo que “sêo” Luiz lançava e, também, Vinicius, Tom, Chico, Vandré, Gil, Caetano. Nas serestas nunca podiam faltar sucessos de Sílvio Caldas, Nélson Gonçalves, Maysa, Elizete, Nora Ney, Lupicínio, Dolores Duran, Dalva, Emilinha, Cauby, dentre outros que a memória já não conserva. Clássicos como Carinhoso, Chão de Estrelas, A Noite do Meu Bem, As Rosas Não Falam, Prece ao Vento, Somos Iguais, Ronda, Nervos de Aço e Vingança eram sempre cantados e muitas vezes acompanhados pelas famílias ouvintes.

Agora, vamos a alguns versos

DELÍRIO

Olavo Brás dos Guimarães Martins Bilac

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci….

IDEALISMO

Augusto dos Anjos

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade é uma mentira.
É. E é por isso que na minha lira
De amores fúteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois é mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
— Alavanca desviada do seu fulcro —

E haja só amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

Além deste outro destaque dele eram os

VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Para completar

Havia a atividade política, muitas vezes intensa, proporcionada pelo #GrêmioEstudantil, o convívio com os líderes e as variadas atividades ali desenvolvidas. Época de eleição para a Diretoria era uma verdadeira festa, os alunos tomando partido de tais ou quais candidatos e entrando de cabeça nas campanhas. Bendito Grêmio! Ali se aprendia a ter consciência política, defender posições, com argumentos apropriados, sustentar uma discussão sem baixar o nível, sair em defesa de colegas injustiçados. E, talvez o mais importante, na política estudantil se aprendia a ser solidário, leal e amigo.

Como tantos outros, passei pela política estudantil, inclusive na faculdade, sem me bandear para a política partidária. Estar no movimento estudantil também era criar músculos e se preparar intelectualmente para a vida futura. Trabalhar no jornal, publicando textos ou datilografando stencil era atividade onde se aprendia a ter disciplina. A datilografia tinha de ser bem feita e cuidadosa para não estragar a matriz e os textos tinham prazos de entrega e tamanhos predeterminados.

Bem

Essas são as recordações, não isentas, é verdade, de quem estudou em escola pública, aí entre os anos cinquenta e sessenta do século XX. Para ingressar no Curso Ginasial a fórmula era única, conhecida de todos e muito simples. Bastava comprovar a conclusão do Curso Primário, em escola particular ou pública e ser aprovado no Exame de Admissão, provas escritas e orais, com média suficiente para ocupar uma das vagas oferecidas.

A seguir

Concluídos os quatro anos do Ginasial, o aluno escolhia entre uma das quatro opções existentes. Duas profissionalizantes, Normal, para quem quisesse ser professor e Contabilidade. As duas outras preparavam para o vestibular: Clássico, na área de Humanas, e Científico, para as áreas de Saúde e Exatas. Portanto, tudo era bem simples, independente de cor, sexo, orientação sexual ou idade. A Escola Pública, normalmente a mais disputada, era de qualidade e o aluno acabava só dependendo dele mesmo. Os cursinhos preparatórios para vestibular só surgiriam anos depois. Em regra os alunos, ao concluir o terceiro ano, estavam prontos para o Vestibular. Se perdiam, continuavam estudando para o próximo ano ou tratavam de arrumar emprego e cuidar da vida.

Alcir Santos
Foto: Arquivo Pessoal

Alcir Santos é aposentado e leitor compulsivo. Coisa ele diz: “ex um bocado de coisa”, de office-boy, bancário, professor de História e Direito Civil e Prática Forente a juiz. Colunista da Revista Nova Família

Compartilhar é se importar!

3 thoughts on “O tempora O mores

  • José Wellington Costa -

    Li devagarinho, valorizando como se alí estivesse… Isso só foi possível por conta da infinita capacidade do criador desse conteúdo. Sua habilidade e janela da criatividade abre janelas de pensamentos tornando tudo muito real e com essência. Parabéns, Dr. Alcir Santos. Genial!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

A revista Nova Família caracteriza-se por uma linha editorial independente que leva ao leitor matérias, artigos e colunas com informações que provocam a reflexão e a visão além dos fatos. A revista traz os aspectos mais relevantes de hoje e os coloca em discussão através de profissionais e especialistas.

TRADUZIR SITE
ENVIAR MENSAGEM
FALE CONOSCO PELO WHATSAPP
Olá como podemos te ajudar?