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Se a primeira é a infância, a segunda a juventude/adolescência, a terceira é a idade adulta
Por Alcir Santos
Ad argumentadum tantum
Tomo como premissa que o homem não passa de um espécime programado para viver 50/55 anos. Não mais. E aqui tenho como parâmetro um dado empírico: conheci no já longínquo tempo de infância-adolescência, raros, raríssimos aposentados. Isto, concluo, decorria simplesmente do fato de que a morte chegava antes. Esta também a conclusão de contemporâneos com quem discuti o assunto. Hoje, o quadro mudou inteiramente. Não raro rompendo a barreira dos 70, as pessoas passam mais tempo aposentadas que em atividade.
Afastemos de logo, por inadequadas e inoportunas, as rotulações derivadas da linguagem politicamente correta. “Terceira Idade” não faz sentido, salvo se, como tal, se entender uma mera extensão da idade adulta. Fora daí, não. Se a primeira é a infância, a segunda a juventude/adolescência, a terceira é a idade adulta. O outro rótulo, “Melhor Idade”, não consegue disfarçar a pesada ironia e – porque não? – um ranço de deboche. Como intitular assim um tempo de dores, achaques, doenças incuráveis, perda de funções, degeneração biopsíquica? O que há de melhor em um tempo de incertezas e frustrações no qual as necessidades aumentam na razão direta da redução da renda? Menos, menos.
Sob o aspecto puramente biológico, a velhice é um processo que traz consigo mudança nas funções e estrutura do corpo, tornando-o suscetível a todo um conjunto de fatores, internos (falha imunológica, renovação celular comprometida, doenças degenerativas etc) e externos (estresse decorrente das condições ambientais e sociais). Grosso modo, o corpo humano é composto por aproximadamente 75 trilhões de células, e estas, excetuando-se as musculoesqueléticas e os neurônios, multiplicam-se constantemente. Pode-se entender esse processo a partir da compreensão da renovação celular.
À medida que as células se dividem (processo conhecido como mitose), seus telômeros (seqüências de DNA) vão sendo encurtados. Após muitos ciclos de divisão, eles desaparecem até que, finalmente, as células perdem sua capacidade de renovação. A partir do momento que as células não se dividem mais, elas envelhecem, perdem por completo suas funções e morrem.
Portanto, ultrapassar a marca dos 60 anos é o resultado de uma combinação de fatores ambientais, sociais, mas, sobretudo, das condições criadas pela atuação conjunta da medicina e da indústria farmacêutica. Em última análise, somos todos reféns dos nossos médicos e dos fabricantes dos remédios, que nos garantem a sobrevida com um bom nível de qualidade a despeito dos achaques e das inevitáveis dores. No mais, é torcer para que os benefícios previdenciários assegurem o poder de compra para o “mercado” de remédios de todos os meses.
Feitos os prolegômenos, passemos a analisar algumas consequências desse incrível avanço que é a vida depois dos 60. A primeira delas é de ordem econômico-financeira. Os sistemas previdenciários, como de resto toda a sociedade, não estavam preparados para o impacto de milhares de pessoas percebendo benefícios previdenciários por prazos superiores a 30 anos. A concepção destes sistemas não contemplava pessoas tão longevas. Trabalharam com uma expectativa média de vida bem mais baixa. Pior, não se ajustaram às mudanças. No final, alguns países, o Brasil entre eles, rasgaram o contrato e passaram a cobrar contribuição dos beneficiários.
Sob o aspecto legal, essa cobrança é um absurdo sem tamanho, especialmente com os que já se achavam aposentados e/ou pensionados antes da mudança legislativa. Com estes, o Estado tinha um contrato que rezava em essência: depois de pagar por x anos a contribuição previdenciária, adquire-se o direito de receber a contrapartida enquanto vida tiver. Sob o aspecto de justiça social, uma solução possível (ou ensandecida) para evitar a quebra do sistema é aumentar a arrecadação, ainda que cobrando contribuições de aposentados e pensionistas.
Evidente que nem todo o descalabro dos sistemas previdenciários é responsabilidade dos “velhinhos”. Não. No caso específico do Brasil, há que se considerar dois grandes, imensos, ralos. De um lado, o desvio de fundos previdenciários para grandes obras públicas, como Brasília, Itaipu e ponte Rio-Niterói. De outro, a corrupção que grassa de todos os lados sem que se estabeleça um eficiente sistema de controle e recuperação de ativos.
O somatório desses fatores, a par da desorganização administrativa dos sistemas, acabaria levando à situação de quase quebra da previdência, motivo de angustiante preocupação para os atuais beneficiários e, também, para os futuros. Estes sequer podem ter certeza de que virão a perceber os benefícios contratados. No final, a conta sobra para os beneficiários. Reduzem-se, ano a ano, os valores dos benefícios. No Brasil, em 10 anos o teto da previdência caiu de 10 para 6 salários mínimos. Assim fica difícil prever um futuro que não seja sombrio.
Pesada ironia essa melhor idade.
Alcir Santos é aposentado e leitor compulsivo. Coisa ele diz: “ex um bocado de coisa”, de office-boy, bancário, professor de História e Direito Civil e Prática Forente a juiz. Colunista da Revista Nova Família
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