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“A velhofobia se tornou uma realidade cruel ainda maior nesta pandemia”

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Por: Adriana da Silva

Fonte: Banco de imagem

“A velhofobia se tornou uma realidade cruel ainda maior nesta pandemia”. O idoso ficou mais vulnerável psicológica e socialmente durante a pandemia. Por ser do grupo de risco, essa parte da população sofreu forte impacto na saúde mental ao se ver mais sozinha e sem interação social ou contato com parentes e amigos. Mas, segundo a antropóloga Mirian Goldenberg, uma parcela dessa população está buscando e encontrando formas criativas de se adaptar à nova realidade.

“Tenho acompanhado diariamente cerca de 20 nonagenários que tiveram muita dificuldade no início da pandemia. Agora, estão buscando formas criativas de se adaptar à nova realidade. Eles se sentem úteis, importantes e fazendo algo de significativo, mesmo dentro de suas casas”, comenta.

Apesar desse cenário, a pesquisadora afirma que a grande maioria dos idosos está sofrendo violência física, verbal, psicológica, abuso financeiro e xingamentos durante a quarentena.

“A velhofobia se tornou uma realidade cruel ainda maior nesta pandemia”, afirma.

Quando se fica velho?

Culturalmente, ficamos velhos muito cedo no Brasil, principalmente as mulheres. Com 30 anos, minhas pesquisadas já estão em pânico com as rugas, cabelos brancos, dificuldade para emagrecer.

Começam a ter medo de não casarem e não terem filhos. Subjetivamente, envelhecemos muito cedo aqui porque existe uma velhofobia no Brasil: preconceitos e violências contra os mais velhos, dentro e fora de nossas casas. Ficamos velhos aqui porque o pânico de envelhecer é enorme. Em outras culturas não é assim.

É mais fácil envelhecer hoje que no tempo dos nossos avós? O que mudou?

É um paradoxo: é mais fácil e mais difícil. Mais fácil porque temos exemplos de muitos homens e mulheres que têm mais de 90 e são produtivos, ativos, independentes. Mais difícil porque a cultura da juventude, da beleza e do corpo perfeito, é cada vez mais disseminada no país.

Fonte: Banco de imagem

É possível a eterna juventude, não na questão física, mas do ponto de vista emocional?

Não acredito que ser jovem é melhor do que ser velho, pois como digo em todos os meus cursos, palestras e textos: todos nós somos velhos, hoje ou amanhã. Falar de ser eternamente jovem é alimentar a ideia de que a juventude é melhor do que a velhice, mais bela, mais produtiva, mais rica.

Acho exatamente o contrário: só acreditando que todos são velhos, inclusive os jovens, iremos mudar a nossa representação sobre a velhice. Então, em vez de eterna juventude, não seria melhor falar de eterna velhice?

Em tempos de pandemia, em que os idosos, por serem grupo de risco, precisam ficar em casa, com pouco contato com o mundo externo, envelhecer está mais difícil?

Tenho acompanhado diariamente cerca de 20 nonagenários, que tiveram muita dificuldade no início da pandemia. Agora, estão buscando formas criativas de se adaptar à nova realidade. Juntos, estamos fazendo uma série de atividades: grupo de estudos sobre “Os Lusíadas” de Camões, jogos de palavras, lives, tocando piano, leitura de autores como Clarice Lispector e Fernando Pessoa, por exemplo.

Eles se sentem úteis, importantes e fazendo algo de significativo, mesmo dentro de suas casas. Mas a grande maioria dos velhos está sofrendo violência física, verbal, psicológica, abuso financeiro, xingamentos. A velhofobiase tornou uma realidade cruel ainda maior nesta pandemia.

Como cuidar da saúde mental dos mais velhos para não surtarem durante o isolamento social e continuarem se reinventando?

Escutando, conversando, estando junto deles – mesmo que não fisicamente-, compartilhando atividades, respeitando seus desejos e limites. É o que tenho feito 24 horas do meu dia, desde 15 de março. Nunca estive tão próxima deles, nunca senti e recebi tanto amor como agora.

Fonte: Banco de imagem

Como as mulheres têm encarado o envelhecimento nos dias de hoje? A sociedade ainda impõe a elas uma cobrança maior que aos homens?

Em todos os países em que estive, são as mulheres as maiores responsáveis por cuidar de todos na família, da casa, no trabalho, dos amigos. As mulheres cuidam de todos, mas não têm tempo para cuidar delas mesmas. Elas se sentem exaustas, deprimidas, insatisfeitas, frustradas por não terem tempo para elas.

O fato de cuidarem de todos e não terem tempo para elas faz com que se sintam invisíveis, transparentes, sem o reconhecimento que elas tanto desejam. Elas dedicam todo o tempo para cuidar dos outros e não recebem o menor reconhecimento ou agradecimento por isso. É como se fosse apenas uma obrigação que elas devem cumprir por serem mulheres.

Elas não cuidam de si mesmas, não têm tempo para si, não têm liberdade para serem elas mesmas. Liberdade social e liberdade interior. As mulheres são cobradas para terem uma vida muito mais controlada sexualmente, amorosamente, profissionalmente e em todas as áreas da vida.

Por isso elas invejam tanto a liberdade dos homens. Elas querem ser mais livres em todos os sentidos, inclusive livres para poderem realizar todo o seu potencial amoroso, sexual, criativo, produtivo. As mulheres não são livres para serem elas mesmas.

O que é velhofobia? Acha que ela aumentou em tempos de pandemia?

A calamidade que estamos enfrentando evidenciou a face mais perversa de alguns políticos e empresários: a velhofobia. Estamos assistindo horrorizados a discursos sórdidos, recheados de estigmas, preconceitos e violências contra os mais velhos. “Vamos todos nos contaminar para criar imunidade e esta epidemia acabar logo. Só irão morrer alguns velhinhos doentes”. “Deixem os jovens trabalharem. Não vamos parar a economia para salvar a vida de velhinhos”. “Só velhinhos irão morrer, eles iriam morrer mesmo, mais cedo ou mais tarde”.

Esse tipo de discurso revela uma situação dramática que já existia antes da pandemia. Os velhos são considerados inúteis, desnecessários e invisíveis. Homens e mulheres mais velhos, que já experimentam uma espécie de morte simbólica, ficam desesperados ao constatar que são considerados um peso para a sociedade. No entanto, a forte reação contra esses sociopatas prova que os mais velhos são muito valiosos e importantes para os brasileiros.

Faremos tudo o que for necessário para demonstrar que os nossos velhos não são um peso, muito pelo contrário. São eles que estão nos ajudando a encontrar força e coragem para sobreviver física e mentalmente. São eles que estão nos ensinando a ser pessoas mais amorosas e generosas. São eles que estão cuidando de nós, como fizeram durante toda a vida.

Muitos dos que disseminam o discurso de ódio e de extermínio dos mais velhos já passaram dos 60 anos. É urgente que eles aprendam uma lição importante: a única categoria social que une todo mundo é o ser velho. A criança e o jovem de hoje serão os velhos de amanhã.

Os velhofóbicos estão construindo o seu próprio destino como velhos, e também o destino dos seus filhos e netos: os velhos de amanhã. Será que estes genocidas serão tão amados e protegidos como são os nossos velhos ou serão tratados como “velhinhos descartáveis”?

*Fonte: Mirian Goldenberg

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