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Dia da mulher é respeito todos os dias

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A derrota da sociedade por outra mulher agredida a na guerra urbana brasileira que os brasileiros preferem não ver, pois atinge mais alguns do que outros

Por Sebastião Nicomedes de Oliveira e Dra Juliana de Almeida Valente

Matéria atualizada às 8h14 do dia 9/3/22.

Felizmente Gloria sobreviveu, bravamente, apesar de tantas outras que morrem diariamente vitimadas pelo feminicidio e violência urbana. Esperamos que tudo fique bem com a saúde da testemunha, que também sofreu ataque do agressor.

São Paulo, capital ou em qualquer lugar do mundo a todo o momento

Ainda a sensação de que não saímos de #2020, tantos os resquícios da #pandemia e da #quarentena que manteve as famílias dentro de casa. E acentuou os casos de #vilênciadoméstica.

Prá variar, adentramos #2022 como uma guerra. Já no primeiro trimestre, quando Putin decide que a Rússia invada a Ucrânia, assistimos famílias sendo desmanchadas.

Não bastassem a dor e o sofrimento de todo um povo, vai um cidadão abestado, deputado por São Paulo. e sua fala infeliz, insensata, irresponsável. Dizer dessas mulheres refugiadas, em situação de guerra, que “são fáceis, porque são pobres”. Falar em pobreza no pais dos outros, quando a miséria, a fome, assola o pais onde legisla.

Como diz o padre #Júlio Lancelotti: o #Brasil é um país de Refugiados Urbanos. Onde o povo vive em ocupações precárias, em favelas sem o saneamento básico, em conjuntos habitacionais onde enfrentam cortes de luz e água. Mães com filhas pequenas vivendo em centros de acolhida e um outro #isolamentosocial forçado continua levando famílias inteiras para morar nas ruas, em barracas nas praças ou simplesmente jogadas nas calçadas.

Pois é #Mamãefalei: basta um olhar para cá.

Por isso, para tratar sobre a temática do #DiadasMulheres, optamos por um texto coletivo, Juliana Valente, Adriana do Amaral e eu, fazendo exercícios de memória. Homenagearemos algumas entre as importantes lideranças comunitárias e ativistas sociais.

Começamos pela saudosa #Maria Lucia (#Bahia), que representou o #MovimentoNacionaldaPessoaemSituacaodeRua na #ONU. Lembramos a incansável #NeideVita (#SãoPaulo), Conselheira Titular do #ComitêIntersetorialdaPopulaçãoemSituaçãodeRua.

Inconformada com as violências diversas e extremas que as mulheres em situação de risco social, enfrentavam. Combatia o #feminicídio e culminou por ela própria ser uma vítima fatal.

Por um bom tempo trabalhamos juntos. Numa dessas oportunidades, destaco o ação da #TendaBelaVista. Foi nesse trabalho que conhecemos o grupo #DoeUmOuvido, e a sua criador Juliana. Atualmente, Dra. Juliana Valente, advogada.

Até hoje, ela não engoliu a versão das circunstâncias do assassinato de Neide Vita. Juliana, mulher atuante na cidade, traça relatos importantes aqui:

A condição feminina na guerra e na situação de rua

Fotografia: Juliana Valente

Por Juliana Valente, que pratica advocacia para mulheres

O #DiaInternacionaldaMulher é se não um convite a todas e a todos para uma reflexão permanente a fim de que se acabe com a discriminação e opressão de raça, classe e gênero contra meninas e mulheres, sejam elas cis ou trans. A situação da população que está nas ruas é a mais grave da sociedade urbana brasileira.

São pessoas que vivem em extremo abandono e miséria, expostas aos riscos da violência e da discriminação e sem acesso aos direitos essenciais. As mulheres, por sua vez, são o grupo de maior vulnerabilidade – expostas às violências de todos os tipos: estatal – desde cacetadas, xingamentos, até tiros de arma letal. Falta de assistência social, saúde, alimento, moradia, e quiçá um absorvente para aqueles dias.

 As mulheres em situação de rua são também alvo de preconceito e violência por parte da população urbana que as julga de acordo com uma visão midiática que fomenta o machismo e classismo estrutural, que desqualifica essa mulher como não hábil para ser mãe, como louca e como puta. Faço aqui a mesma pergunta que #JamilChade fez:

Você consegue imaginar o que isso significa em tempos de guerra, onde a lei e a moral são suspensas?

E indago, você consegue imaginar em um espaço onde sua voz e seus direitos não são ouvidos, você não tem um teto e muitas vezes até seu Estado se arma contra você? Pois o #Estadobrasileiro vive uma guerra contra às drogas e morrem pessoas todos os dias por esta guerra, nas cracolândias, nas ruas, nas favelas.

Conheci certa vez uma mãe em situação de rua, ela estava chorando muito. A filhinha dela de cino anos fora roubada por um homem transeunte, que dera um alimento pra eles, brincou com a criança e de repente correu com ela pra um carro e ela nunca mais viu a criança. Fazia dois anos que ela procurava a filha, havia conseguido auxílio aluguel e fazia uns bicos vendendo uma água aqui outra ali, mas não saia ali da calçada ali da #Pompeia, bairro na capital paulista, onde sua filha fora roubada, com a esperança de encontrá-la novamente. 

Conheci também uma mãe na #TendaNovedeJulho, ela deu à luz e estava triste demais pois a assistência social levara seu filho. Tinha esperanças de conseguir um barraco e poder recuperar a criança. Anos depois soube que ela estava com depressão e havia caído nas drogas e sem saber do paradeiro do seu filho.

Conheci também uma catadora de recicláveis, que agora tinha seu barraco e estava na batalha pra recuperar a guarda de sua filha, que fora tomada pelo marido na justiça, alegando situação de drogadição que nem existia. Mas como se faz justiça sem acesso a ela?

No meio da rua da #Cracolândia, no coração de São Paulo, segurei em meus braços uma mulher que estava convulsionando há mais de 30 minutos e a polícia não deixava entrar nenhum profissional de saúde para socorrê-la. Nesse mesmo dia vi ‘Adélia’, uma mulher que aparentava ter a mesma idade que eu, baleada na nuca caída ali na Cracolândia, após uma ação da #GuardaCivilMunicipal em conjunto com a #PoliciaMilitar.

Conheci também mulheres que relataram já terem sido estupradas e agredidas na rua e também antes de chegar na rua. Conheci uma mulher que fora despejada pela #Prefeitura da pensão em que morava na Cracolândia e relatou ter sido obrigada a se prostituir pra poder fazer mais um dinheiro pra conseguir sair da rua. E outra que foi obrigada a se prostituir por um rapaz e dar todo o dinheiro da prostituição para ele.

Certa vez, eu e outra colega que também trabalhava com assistência social tentamos segurar um homem em situação de rua que estava espancando sua companheira, quase apanhamos também. Os homens tanto da assistência social como da rua, só se mexeram depois que imploramos ajuda para a moça.

Novamente na Cracolândia, conheci mulheres que relataram terem sofrido revista vexatória no meio da rua, mulher que relatou ser tocadas por policiais homens, que relatou ter que ficar semi-nua no meio da rua e soube notícias de mulheres que tiveram que ficar completamente nuas. Também uma moça que perdeu a visão por um tiro de bala de borracha disparado por um policial. Conheci uma mulher agredida a cacetadas por policiais, simplesmente por ela estar passando no local, ou talvez por ela ser uma mulher trans?

Ou talvez por ela ser uma mulher preta?

Ou uma mulher pobre?

Pesquisa realizada pela #Secretariade Estado de Desenvolvimento Social (SEDS) registra que:

  • 44,1{cd1bea5bacaf18d63f2613834c965ffdc12ff81d639635183f79bec16d092a66} das mulheres em situação de rua entrevistadas sofreram algum tipo de abuso físico/sexual na infância; 70,6{cd1bea5bacaf18d63f2613834c965ffdc12ff81d639635183f79bec16d092a66} referiram já ter sofrido violência física na Cracolândia.

São poucos os estudos e pesquisas encontrados sobre a condição de meninas e mulheres em situação de rua, mas ao longo dos meus seis anos de proximidade a essas mulheres encontrei muitas histórias marcadas por violências, e muitas delas que chegaram às ruas por conta dessas violências. Há 12 anos eu fui espancada por um ex-namorado. Conheço mulheres que moram perto do meu bairro – #VilaIpojuca, classe média em #SãoPaulo, que já foram também agredidas e ou estupradas.

Ali, onde São Paulo nasceu, no #PateodoCollegio, fui apresentada a uma senhora que era conhecida como Maria Louca. Ela me disse que não era louca não, mas que na rua a mulher precisa pagar de louca se quer sobreviver, então ela fingia não ter sanidade, para assim, ser temida e não atormentada na calçada em que dormia.

Em guerras, nas calçadas, embaixo de um teto, as mulheres temem seus corpos serem violados cotidianamente. Mas quem protege as mulheres que a sociedade jogou à sua margem?

Ainda temos muita luta.

Nota dos autores: apesar de ter sido dada como morta, Gloria havia sido socorrida, cuidada e temporariamente mantida sob proteção à testemunha. Dias após à violenta agressão, com um caixote de madeira e pregos pontiagudos, ele voltou às ruas,

Juliana de Almeida Valente é advogada criminalista e das famílias, especialista em atendimento à mulher em situação de violência

@juliana.a.valente

Sebastião Nicomedes de Oliveira é Digital Influencer, empreendedor, criador do projeto #AtravésdaPet – arte em recicláveis. “Poeta das ruas”, autor da peça teatral Diário de um Carroceiro e do livro As Marvadas é artista popular. Catador, integra o MIPR (Movimento Internacional de População em Situação de Rua).

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One thought on “Dia da mulher é respeito todos os dias

  • Gente, uma matéria como esta, merece todos aplausos, por sua atualidade e, principalmente, por trazer a público aquele lado que quase ninguém conhece. Grato.

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