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“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”
A frase proferida por Paulo Freire, ícone da educação no Brasil, ainda é utilizada para designar o ensino dos sonhos, que constrói sua base nas potencialidades que os alunos trazem do mundo externo, encarando a escola como um espaço de troca desses aprendizados e não apenas de uma instrução engessada. Mesmo lutando por um ensino de qualidade, professores ainda se deparam com problemas antigos, como a permanência na escola.
Como fazer com que o garoto e a garota fiquem na escola e se interessem por ela? A pergunta suscita inúmeros questionamentos e levam os profissionais e pesquisadores a se perguntarem quais caminhos seguir. Pesquisador e doutor em Antropologia Cultural, Fabiano Monteiro, fez uma imersão nessa questão durante a pesquisa de doutorado, quando lançou um olhar sobre os discursos raciais presentes nos livros didáticos da década de 1950 comparados aos lançados hoje.
“Em linhas gerais posso dizer que os professores acham que a educação brasileira está em crise. Isso não é um fato novo. Desde sempre a ação de educar no Brasil foi feita tendo como espelho a Europa. A educação pública e de massa é um fenômeno relativamente novo em nossa História”, explicou Fabiano. Para o pesquisador, a política educacional remete a Era Vargas e, por conseguinte, a um exercício de forjar um povo e uma nação. “A preocupação de Vargas nesse sentido não era apenas administrar o Brasil, mas, sobretudo, produzir um Brasil. Assim dá-se início uma série de intervenções de padronização dos livros e conteúdos e o desafio de como levar a educação para todos e com que qualidade esse processo educacional se daria é imposto”.
Anísio Teixeira e Fernando Azevedo ao pensar a “Escola Nova” tinham esse desafio em mente, questão que Fabiano eleva ao patamar das segregações. “Os limites e melindres dos investimentos em educação, penso eu, começam com o problema da suspeita em relação às capacidades morais e intelectuais do brasileiro, por parte de nossos governantes e, principalmente, nossas elites ditas eruditas”.
O pesquisador destaca que: “Enquanto a educação nos países desenvolvidos era uma questão de reprodução do sistema capitalista e de desenvovimento social, educar as massas no Brasil era (e talvez ainda seja) uma ação tida como “desperdício” e esse é um ponto nevrálgico comparado a outros países”.
Com o ímpeto democrático pós-ditadura militar definiu-se que era necessário prover educação para todos, dentre os defensores desse ideal estava Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Brizola, Cristóvão Buarque e D. Ruth Cardoso. O acesso à educação, além de ponto pacífico, se transformou em uma espécie de magia. Era comum pensar que, se todos estudassem, o Brasil e o mundo seriam lugares melhores.
A suspeita em relação ao “povo” e sua aptidão à escola ainda não desapareceu. O estudo realizado por Fabiano mostrou que os diretores e professores filtram os alunos que julgam “menos piores” e investem neles, na expectativa que os demais, simplesmente saiam da escola. O problema é que da era Fernando Henrique Cardoso pra cá isso não ocorremais, porque os programas sociais são vinculados à permanência escolar e isso incomoda muito os professores e diretores que têm uma visão de mundo mais
conservadora.
“Eles se queixam, ficam esperando e não buscam saída para incluir todo mundo num projeto educacional que possa ser exitoso. Não contam com essas pessoas (alunos) para melhorar ou desenvolver a sociedade. Gostariam, na verdade, de deixá-las à margem”, conta. “No Brasil vige ainda a lógica de que a escola deveria ser um espaço reservado aos meninos estudiosos. A escola é um lugar de todos, a despeito do desempenho. É um direito. É uma experiência pesadíssima na cultura ocidental moderna. Nossos gostos musicais, nossos valores, nossos primeiros romances acontecem na escola”.
Ao longo dos anos, as tecnologias avançaram, mas as políticas educacionais ficaram estagnadas. O ensino é quase principesco, erudito e nada atraente. “É impressionante o glamour que a cultura de massa exerce sobre os alunos. Quando eu dava aula para o ensino médio todos os garotos queriam jogar bola, ser rapper ou traficante. As meninas queriam ser modelo, mulher de pagodeiro ou mulher de traficante. Nada disso passa pela vida escolar… Não há mais sonho com a escola”.
Em acréscimo, a mestre em literatura e mestranda em educação, Isabel Navega, que tem como objeto de estudo as manifestações populares que podem ser utilizadas como forma de aprendizado, afirma que a escola deveria incluir as potencialidades no processo educacional. “A criança tem uma linguagem própria e percebi durante os meus estudos que a escola tradicional não faz uso dessas manifestações durante o processo de aprendizado. Eles ignoram o conhecimento que esse aluno traz consigo”.
Ambos os pesquisadores acreditam que ainda exista ambientes propícios para o desenvolvimento completo do aluno, os quais são caros ou inacessíveis para algumas camadas da sociedade. Fabiano conta que estudou em escolas com projetos pedagógicos muito bem elaborados, sobretudo entre a 4ª e 8ª série (atual 5º e 9º ano). Era uma escola em tempo integral, na qual os alunos tinham aulas de artes cênicas, artes industriais, aprendiam a cozinhar, tinham programas de representação e participação política, participação no calendário de discussões de conteúdos, entre outras coisas.
“Não era só agradável ficar ali, mas o estar ali era instrumentalizado na produção de conhecimentos práticos. Mas falo dos anos 1980, de uma escola com poucos
alunos e professores arejados. Eram outros tempos… Tenho saudades da escola onde estudei, e não das escolas onde lecionei. Não falo isso com orgulho, falo com pesar”.
Dados mundiais
O engessamento do ensino, de acordo com Isabel, é um dos quesitos que explica o mau desempenho do Brasil em pesquisas que traçam o ranking de educação. O Relatório de Desenvolvimento Humano, divulgado este ano pela Organização das Nações Unidas (ONU), informa que o Brasil está abaixo da média da América Latina em educação e expectativa de vida. O estudo do orgão calcula o Índice de Desenvolvimento Humano dos países com base em indicadores de educação, saúde e renda.
De acordo com a pesquisa, o Brasil avançou uma posição no ranking mundial, passando do 80º lugar em 2012 (IDH de 0,742) para o 79º em 2013 (IDH 0,744) no ranking do desenvolvimento humano. Apesar da melhora no ranking, os dados da ONU não revelam avanço significativo em educação e expectativa de vida. A média de estudo na América Latina é de 7,9 anos e no Brasil, desde 2010, 7,2 anos. Estudos econômicos dão conta que cada ano de estudo escolar acrescenta 10% na produtividade de um trabalhador. Não é por acaso que na maioria dos países europeus, assim como nos EUA, no Japão e na Coréia do Sul há um alto nível de escolaridade, que beira 12 anos de estudo.
O vice-secretário-geral da ONU, Jan Eliasson, destacou durante discurso de abertura na Primeira Iniciativa Global pela Educação, realizada no ultimo mês, que apesar dos avanços no número de crianças na escola, ainda há 58 milhões que estão fora das salas de aula em todo o mundo e 250 milhões de crianças não sabem ler. “A educação de qualidade é mais do que um ponto de entrada no mercado de trabalho, é a base para a realização pessoal, igualdade de gênero, coesão social, desenvolvimento sustentável, crescimento econômico e cidadania global responsável”, disse ele.
Levantamento executado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 32 nações, no ano de 2013, em 1070 escolas, com aproximadamente de 14,3 mil professores e 1,1 mil diretores, indicou que no Brasil 20% das horas dos docentes em classe é desperdiçada com indisciplina, enquanto a média mundial é de 13%. Os docentes brasileiros gastam também mais 12% das horas em sala de aula para resolver afazeres administrativos, sobrando somente 68% da carga horária para atividades de ensino e aprendizagem.
A maioria das escolas públicas é pouco equipada: 0,6% têm laboratório de ciências; 15% têm biblioteca e sala de informática; 14% têm somente uma sala de aula em sua maior parte nas regiões Norte e Nordeste; e apenas 44% têm infraestrutura básica como água e energia. Sem citar arremedos de escolas públicas que sequer possuem vagas para novos alunos e cujas salas de ensino nem ao menos têm cadeiras suficientes.
Ao sentirem-se desestimulados, alunos abandonam as escolas: 24% não concluem o ensino fundamental e 49% o ensino médio. A evasão escolar entre jovens de 15 a 17 anos beira os inaceitáveis 16%.
Na década de 1960 o Brasil e a Coréia do Sul eram países subdesenvolvidos. Mas em 2011 a renda per capita coreana representava o triplo da brasileira. A Coréia praticamente erradicou o analfabetismo, enquanto, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2013, mostram que 8,3% dos brasileiros com mais de 15 anos, uma multidão de 13 milhões de pessoas, ainda não sabe ler nem escrever.
Em artigo, o mestre em liderança e administrador Rodnei Vecchia justifica que o estupendo desenvolvimento coreano ocorreu, principalmente, devido a investimentos e incentivos maciços do Estado em sistemas educacionais públicos de ensino fundamental e médio (carga horária de mais de 40 horas semanais). “As salas de aula são adequadas ao ensino, equipadas com o que há de mais avançado em tecnologia, os professores são muito bem preparados e remunerados. Mais de 66% dos gastos com pesquisas são financiados pelo setor privado, por meio de incentivos fiscais. A gestão dos recursos é eficiente, ou seja, criou-se um ciclo virtuoso que produz continuamente resultados auspiciosos”.
Foi esse processo de gestão na área educacional, entre outras medidas tomadas pelo poder público, que transformou a paupérrima Coréia do Sul da década de 60 em um país rico 50 anos depois. Nesse mesmo período, o ora subdesenvolvido Brasil da década de 1950 surge em 2010 como um país ainda em desenvolvimento.
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